quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Vergonha

Estava aquele frio de blusinha. Nada exagerado, uma camiseta de manga curta até dava, mas a pele arrepiava quando vinha o ventinho. Resolvi colocar uma camiseta de manga curta e um casaco por cima, tinha que ir trabalhar e as madrugadas são mais frias que o dia... Ia ficar um pouco mais frio, mas nem tanto. O Plano era jantar no restaurante perto da empresa e depois ir trabalhar... Fui pra parada e lá estava uma garota com transas, morena... Tinha uma cara de quem se chamava Nathália. Havia um garoto, gay obvio, os tênis laranja gigantescos e uma calça skinny apertadíssima, tinha cara de Pedro. Reparei que estavam olhando pro exagero do meu casaco. Tolos! Tinha uma madrugada pela frente, e o casaco ia ser útil... Mas eu estava tenso aos olhares julgadores, sendo que o Pedro estava só de camiseta e a Nathália com um casaquinho 10x mais fino que o meu. Nada do ônibus... Os fones de ouvidos pendiam no casaco e escapavam dos meus ouvidos de dois em dois minutos, eu estava atrapalhado... nada do ônibus. Começou a tocar just like a heaven do cure e isso combinou com aquele frio disfarçado, de imediato me lembrei do videoclipe gravado em cima de uns rochedos, num desfiladeiro que alcançava o mar e que o Robert Smith dançava com um fantasma... Chegou o ônibus, os ônibus na verdade, pois nunca vêm ônibus e quando vêm passam 4 juntos. Qualquer um me levaria para o trabalho, menos o bem da frente, e foi justamente esse que eu peguei, na ânsia de fugir daquela parada de ônibus eu fiz sinal com o braço pro primeiro, justo o errado. Não que ele não me levasse, ele até levaria, mas demoraria mais que o dobro dos outros, entraria em outro bairro pra depois me deixar perto da empresa, longe do restaurante. Reparei o erro quando o ônibus parou na minha frente, mas na hora um pânico de dizer pro motorista que eu me enganei foi maior, não queria passar pelo papel de ridículo, eu estava atrapalhado, o Pedro e a Nathália me olhavam com certeza, assim como todo ônibus... Eu estava realmente atrapalhado, subi no ônibus por classe, meu jantar foi por água abaixo, chegaria na empresa em cima da hora e ia ter que direto trabalhar, tudo isso pelo engano de parar o ônibus errado (os certos estavam logo atrás, e provavelmente o Pedro e a Nathalia subiram neles...), e a vergonha de dizer pro motorista que eu não queria aquele ônibus era maior. A Gente trava, a gente não fala, a boca fica rígida, e você é levado pela onda da sociabilidade, sem atritos, antes sofrer e não jantar do que causar aborrecimentos ao condutor da Visate. Estava de saco cheio de mim, sou um estúpido... Chego na catraca, e consigo visualizar todas as Paulas, os Marios, os Andrés e as Danieles que estão sentados no ônibus me olhando, rindo ridicularizando a minha cara, o meu casaco... Eu estava suando pela situação do ônibus errado, e estava com um casaco pra se usar nas neves... Muito cômico para eles, pois se eu apenas estivesse usando o casaco, seria motivos para olhares... mas eu estava suando e pra eles o suor era por causa do casaco abafador. Não era. Nessas situações eu tenho o dom de olhar pra cara dos debochadores e me deliciar com a natureza humana e o seu gosto pela tragédia alheia, nem que eu seja a vítima deles... Mas nessa situação eu estava tenso, nervoso, suando... com ódio mortal de mim. Entro no ônibus fingindo que sou só mais um ali, mas os olhares me rasgavam... Diferente dos olhares que inventei que estavam em mim quando me enganei na hora de entrar no ônibus, aqueles olhares ali eram reais. Eu sento. Há lugar na janela, tenho vergonha até de respirar, olho discretamente pro meu reflexo no vidro do ônibus e vejo meu rosto encharcado de suor, a imagem dele era pior do que a que eu imaginei. Calma Matteus, calma. Ninguém lembrará depois disso, calma. Nesses momentos tento me acalmar, mas é em vão... Nem a canção do Fairpoart Convention nos fones me acalmam. Tenho pânico, o simples fato de passar a mão na testa e limpar o suor é insustentável, seria uma acusação, todos estão vendo... Até o motorista que está á na frente está me vendo de alguma forma. Eu sou o assunto no ônibus, o freak show... Não sou, claro, mas meu cérebro está gritando dizendo que eu sou. 20 minutos que parecem 2 horas se passam e eu desço. Levanto, a porta nunca abre, todos estão olhando, eles estão pensando "o esquisito vai descer", e eu desço. Desço os degraus e as pernas ficam imóveis por 5 segundos, aí sim caminho... O ônibus se vai, a rua escura, o vento gostoso bate como uma brisa fresca na minha testa que já se acalmou de jorrar suor. Passo a mão na testa, não têm ninguém olhando... eu acho. No ônibus as pessoas estão soltando gargalhadas que ficaram entaladas pela minha presença, agora desconhecidos conversam entre si sobre o meu fiasco, o meu fracasso. Tenho fome, não tem jantar. Tenho que trabalhar....